Quando decidi viajar me perguntaram: mas logo a Índia? Por quê? E a resposta a todos foi a mesma: “why not?”. Deixei preconceitos de lado e me despi da vaidade assim que pisei no aeroporto internacional Indira Gandhi em Delhi, capital do país. O primeiro dia, confesso, foi assustador.

Leprosos pediam dinheiro no sinal, crianças imploravam por comida e a cidade cheirava mal de tanta sujeira, fezes de animais e poluição.

Entretanto, depois de 24 horas eu já circulava normalmente em meio a vacas, macaquinhos, tuk tuks (triciclos que funcionam como táxis), carroças, ônibus, bicicletas, buzinas ensurdecedoras e um calor escaldante (que beirava os 40). Vi a harmonia em meio ao caos, a riqueza do passado e a pobreza do presente. Os palácios suntuosos, as mesquitas, os templos budistas e hindus rodeados por barracos e casas aos pedaços.

Fiquei dois dias em Delhi e conheci os principais pontos. Preferi contratar uma agência de turismo local, que incluía motorista e guia. É a melhor forma de evitar estresses e não ser passada para trás.

Os serviços dos hotéis também são confiáveis e a diferença de preço não é grande. Visitei a linda Jami Masjid, a maior mesquita da Índia, o complexo Qutub Minar, o Templo de Lótus e o Red Fort (Lal Qila), símbolo da nacionalidade indiana. Me emocionei no Raj Gha, o Memorial do Mahatma Gandhi, e conheci a sua casa. Ali o maior líder político e espiritual do país foi assassinado em 1948.

Depois de um longo dia de passeio, me preparei psicologicamente para embarcar na primeira viagem de trem. A estação ferroviária de Delhi dá medo. Milhares de plataformas, pouca informação e muita gente se esbarrando. Não basta ficar ligada no painel, é preciso confirmar seu trem na bilheteria. Quase sempre há problemas e atrasos.

Comprei bilhetes de segunda classe (a primeira custa o dobro do preço e não possui grandes diferenças). Você divide o vagão com três pessoas e tem direito a travesseiro e coberta. Nada luxuoso e muito confortável ou limpo, porém, mais seguro do que a sleeper class, área popular do trem. Dormi na companhia de uma familia indiana (ufa!) que adorava comer pepino cru com sal, aliás, mania nacional (a qual eu não aderi).

Não se assuste com os banheiros, eles não tem vaso sanitário, somente um buraco no chão (e haja equilibrio!). Foram 10 longas horas até chegar na manhã seguinte em Varanasi, a cidade mais sagrada da Índia.

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Rio Ganges em Varanasi (Foto: Renata Telles)

Santificada pela onipresença de Shiva e pelo famoso Rio Ganges, Varanasi respira religião. A todo momento é possível ver cerimônias e ritos de passagem pelos ghats (escadarias) às margens do sagrado rio. Os indianos se banham, lavam roupas e jogam restos mortais na água – totalmente suja. É como se você mergulhasse no Rio Tietê. Perguntei a um morador se ele não tinha medo de contrair uma doença. “Todos os dias nadamos e bebemos água daqui. Nunca ninguém morreu, é o milagre de Shiva”, afirmou.

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Moradores lavam roupas no Ganges…. (Foto: Renata Telles)

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Eles também tomam banho ali… mesmo lugar onde corpos são jogados (Foto: Renata Telles)

Não entrei no rio, mas preciso admitir que a cidade emana energia. Vi o nascer do sol de um barquinho no meio do Ganges e percorri a pé as ruazinhas de Varanasi. Experimentei o tradicional Chai (chá com leite e pimenta), fiz tatuagem de henna na casa de uma jovem indiana e me rendi a medicina ayurvédica. Eu já me considerava uma indiana, quer dizer, quase… Alguns cuidados não deixava de lado: escovava os dentes com água mineral, só comprava líquidos com lacre e passava longe de barraquinhas e restaurantes duvidosos. Na bolsa, álcool gel, bananas e barras de cereais. Não é exagero, acredite! Durante a viagem me deparei com diversos gringos pálidos que abusaram dos temperos de rua e tiveram diarréia. Posso garantir que saí ilesa da Índia! Não precisei usar nenhum remédio da minha farmácia.

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Tatuagem de henna na “casa” de uma moradora em Varanasi. Era apenas um cômodo sem banheiro e sem luz!

O incrível Taj Mahal

Após dois dias peguei um avião para Khajuraho onde conheci o Templo do Kama Sutra. Viajei na mesma tarde de trem até chegar em Agra para conhecer o famoso Taj Mahal. Qualquer fotografia não traduz a beleza daquele lugar. Contemplei o monumento por quatro horas e acompanhei de perto uma linda história de amor. O imperador Shah Jahan construiu o túmulo em memória da esposa favorita, Mumtaz Mahal, que morreu em 1631. Cerca de 20 mil operários trabalharam por 12 anos até finalizá-lo em 1643.

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Taj Mahal – quatros horas de contemplação

O lugar é limpíssimo, super conservado e com forte esquema de segurança. No fim da tarde as filas são gigantes, por isso, o ideal é visitá-lo no nascer do sol ou por volta das 14h (o horário que escolhi).

Próxima parada: Jaipur, no estado do Rajastão. Viajei de carro cerca de quatro horas até o deserto da Índia. Conhecida como a cidade rosada (todas as casinhas são rosas), Jaipur guarda o magnífico Amber Fort, parada obrigatória. Para chegar no alto do palácio é preciso pegar a “carona” de um elefante. No trânsito, além de vacas e macacos, agora era possível cruzar com camelos.

O melhor mesmo é manter os olhos fechados enquanto estiver dentro de um automóvel ou certamente você terá um AVC. Não existe mão e contra-mão e as ultrapassagens arrepiam! Por incrível que pareça, não vi nenhum acidente!

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Celebração para Shiva em Rishikesh (Foto: Renata Telles)

Paz e meditação

Esqueça o barulho dos carros, os pedintes e as centenas de indianos que rodeiam os turistas com produtos de artesanato. Em Dharamshala até o cheiro é agradável. Uma cidadezinha localizada no estado de Himachal Pradesh, norte da India. O calor infernal deu lugar ao clima das montanhas do Himalaia. Nas ruazinhas, monges simpáticos de olhinhos puxados. Em Dharamshala estão instalados o líder religioso Dalai Lama e o governo do Tibet em exílio. Aproveitei para me aprofundar na cultura tibetana, conhecer o Mosteiro Namgyal e passar pela casa do Dalai Lama (não aberta à visitação). A região sem dúvida é uma das mais agradáveis da Índia assim como Rishikesh, a capital mundial da Yoga e ponto inicial do Rio Ganges (a água é cristalina).

Em cada esquina existe uma escola ou ashram à sua escolha. O mais popular fica na beira do rio e chama-se Parmarth Niketan. Eu escolhi o Swami Rama Sadhaka Grama e não me arrependo. Entretanto, é preciso ter disciplina, acordar as 5h, meditar, seguir a cartilha do lugar, ajudar na cozinha, entre outras atividades (lá eles cobram a diária de 35 dólares).

É impossível não lembrar de Julia Roberts no filme Comer, Rezar e Amar. Diferentemente da personagem, eu não consegui ficar vários dias no ashram. Minha barriga roncava a cada meditação e preferi trocar o retiro por um hotel confortável onde pude comer muffins deliciosos de chocolate.

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Café da manhã no Ashram (Foto: Renata Telles)

Andei a pé em Rishikesh, molhei os pés no Ganges (sim, é possível até nadar sem preocupações com sujeira, mas não vá beber a água) e passei tardes no Little Buddha Café, onde tomei o melhor Chai. Depois de viajar por nove cidades (ainda visitei o Golden Temple em Amritsar e acompanhei a peregrinação de fieis hindus em Haridwar), constatei que aprendi tanto em tão pouco tempo que tudo valeu a pena e nada do que havia lido em livros me preparou para o que vi e vivi.

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Golden Temple, construído em 1574 (Foto: Renata Telles)